quinta-feira, 28 de novembro de 2013

as auto-caravanas



Quando éramos miúdas costumávamos ir acampar nas férias. O meu pai tinha transformado uma antiga Toyota Hiace numa auto-caravana, que usámos durante anos a fio no Verão. No interior, o espaço era aproveitado ao máximo - mesas que se transformavam em camas, imensas gavetas e arrumos, módulos que podiam ser removidos e instalados cá fora. Existia também uma sanita química, um chuveiro de exterior que se podia pendurar nas árvores, toldo, cadeiras, geleira. Enfim, uma mini-casa móvel que ao longo do tempo ía sofrendo adaptações e up-grades para se ajustar às nossas necessidades de auto-caravanistas amadores. Lembro-me dum ano em que o meu pai fixou um estrado por cima do tejadilho da carrinha e era aí que montávamos a tenda canadiana (uma daquelas azuis e laranja dos anos 80) onde eu e a minha irmã dormíamos. Um género de uma autocaravana-duplex de dois andares... Essa Toyota (já muito velhinha) ainda foi usada nas nossas primeiras férias com as miúdas pequenas (aquela na foto é a Maria, devia ter uns 3, 4 anos), mas depois foi vendida. Mais tarde veio uma Fiat Ducato toda preparadinha de origem, com casa de banho independente e chuveiro e esquentador, e tudo e tudo! Mas desta guardo menos recordações e muito poucas histórias. Depois, durante muitos anos, as autocaravanas andaram esquecidas. Até agora! De há uns meses para cá dei por mim a pesquisar modelos, preços, comparar especificações, quantos lugares de livrete, quantas dormidas, o tipo de motor, se 1,9, 2,5 ou 2,9, o ano de matrícula, o nº de Kms, se a montagem é Hymer-Eriba ou Karmann ou Burstner. Todos os dias ao serão, mesmo antes de deitar, a mesma rotina: pesquisar as últimas novidades de auto-caravanas usadas, escolher, enviar e-mails a pedir mais fotos, colocar de lado. Tenho listas organizadas por preços e modelos, hoje acrescento mais uma, amanhã retiro outra que já não está disponível, porque foi vendida.. Às vezes penso que nunca vou chegar a ter uma, que vou continuar a passar os serões neste jogo da procura da auto-caravana perdida, neste faz-de-conta sem fim, numa espécie de catarse para expurgar os desvarios do dia.
É bem capaz de existir uma teoria qualquer da psicanálise que explique estas coisas...

terça-feira, 26 de novembro de 2013

o fio e a meada

Por vezes não conseguimos escrever. Por vezes fica tudo entrelaçado e perdemos o fio à meada. Como começar a desenrolar este novelo? Onde está a ponta? Sentamo-nos e nada acontece. Esperamos um pouco, tentamos recomeçar, ou melhor, começar aquilo que ainda não foi iniciado, e parece que não estamos ali, parece que pairamos sobre nós mesmos à procura de um sentido, de uma palavra. Mas essa palavra não chega.

Ilustração de Annalisa Bollini, Itália

terça-feira, 19 de novembro de 2013

a avó


Nesta foto ela era capaz de ter a minha idade, talvez mais uns 2 ou 3 anos... Sorria, ao deixar-se apanhar pela objectiva do fotógrafo, enquanto o avô os conduzia ao casamento de uma das sobrinhas. A imagem que me ficou dele não é muito diferente desta. Já a dela não! Envelheceu connosco a ver-nos nascer, a mudar-nos as fraldas, a tratar-nos dos raspões nos joelhos. O cabelo a ficar mais branco, e ela a preparar-nos os lanches e a mandar-nos para a escola, a ver-nos casar e a sair de casa, e a entrarmos noutras casas e noutras famílias que passaram também a ser dela. As pernas a teimarem não acompanhar o corpo na vontade das tantas coisas por fazer, e ela a ver nascer os bisnetos, enquanto lentamente a velhice se instalava. Aos poucos a idade foi-lhe roubando pedaços de vida e autonomia. Apesar de ainda muito lúcida, por vezes as linhas da memória enovelam-se e é capaz de me perguntar, durante uma conversa sobre coisas passadas, o que é feito do pai dela...

A mim fascinam-me estas fotografias antigas, a elegância deles, o ar jovial e feliz dela. Imagino as histórias daquele dia, o amanhecer mais cedo, o café da manhã, as cumplicidades. Será que dançaram a valsa essa noite na festa?

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

é a vida






Há coisas que não mudam, como se fossem intemporais! O texto abaixo do filósofo José Gil tem quase uma década, mas podia ter sido escrito hoje. É a vida!

"Esta frase com que o apresentador da RTP termina amiúde o Jornal da Noite dá o tema do ambiente mental em que vivemos. (...) Depois de assistirmos às notícias sobre raptos, assassinatos, acidentes de viação, mortos palestinianos e israelitas, descobertas de centenas de vítimas taliban asfixiadas em contentores no Afeganistão, surge uma notícia que, como uma luz divina, redime todo o mal espalhado pela Terra: nasceu um bebé panda no Zoo de Pequim! O apresentador sorri largamente, pisca mesmo um olho cúmplice aos telespectadores. Depois das imagens de futebol, remata enfim, com um tom sábio: "É a vida!" É a vida, pois. Que mais quereis? É a vida lá fora, não há nada a fazer, é assim, vivei a vossa paz com serenidade, não há nada a temer, é lá longe que tudo acontece e, no entanto, estou aqui eu para vo-lo mostar inteiro, o mundo, ide, ide às vossas ocupações que a vida continua."  

in "Portugal, hoje - O medo de existir", José Gil, 2004, Relógio D'Água 

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

amamentar em público


Acabei de ler esta notícia a dar conta duma iniciativa do governo inglês que, ao abrigo de um projecto piloto, vai oferecer vouchers até 200 libras a mães que deixem de alimentar os seus bebés a biberão e passem a amamentá-los em público. Sim, leram bem, não é apenas amamentar, é amamentar mas em público! É ainda citado um artigo de opinião no qual a autora, Susan Bright, ao reflectir sobre os tabus ainda existentes com o corpo das mulheres grávidas e no pós-parto, defende que a maioria das mães que amamentam não se sente confortável em expor-se publicamente e que, para ultrapassar a vergonha de amamentar em público é necessária a existência de cada vez mais fotografias de mães a fazê-lo na cultura visual popular. Desculpem, ultrapassar a vergonha? Mas o que é isto? Toda esta conversa sobre a amamentação e as teorias à volta deste assunto não me convencem. Ou melhor, não se pode padronizar um comportamento A ou B e impor às jovens mães como devem cuidar dos seus filhos. Que o leite materno traz benefícios aos recém-nascidos, parece não oferecer dúvidas (se bem que ainda não consegui perceber até onde vai esse benefício). Agora, que se queiram definir regras sobre algo exclusivamente do foro privado, que não diz respeito a mais ninguém, a não ser às mães, é para mim completamente absurdo. 
As minhas filhas, as duas já adolescentes, foram amamentadas durante 6 meses, nem sei bem porquê. Foi assim porque foi e, até à data, nenhuma delas me cobrou nada. Eu, fui amamentada durante 1 mês, até ao dia em que a minha mãe retomou a jornada diária das 8 horas de trabalho e, tal como a grande maioria dos bebés da altura, a partir dessa data passei a ser alimentada a biberão. Não me foi diagnosticado, até ver, nenhum tipo de síndrome do bebé desmamado ao mês, e a minha relação afectiva com a minha mãe não podia ser melhor. Não me recordo se alguma vez amamentei as minhas filhas em público e é até bem provável que nunca o tenha feito. Se tivesse calhado, calhava e pronto, também não teria feito disso um grande quebra-cabeças. Mas para mim, amamentar foi sempre um momento do foro íntimo e que apenas em circunstâncias de excepção, o tornaria público. Outras mães com certeza terão opiniões diferentes. Cada qual amamenta onde e como bem quer, e se o entender! Sem estigmas, vouchers ou outras discriminações..

domingo, 10 de novembro de 2013

a good wife always knows her place

Em 1955 nos EUA o guia da esposa perfeita ensinava a mulher a receber o seu esposo, depois da jornada diária de trabalho... Certamente que por terras lusas as regras das boas maneiras não seriam muito diferentes. Ainda bem que os tempos mudaram! Hoje é aceitável que possamos receber os nossos esposos vestidas com a roupa de andar por casa, fatos de treino inundados do vómito das crianças ou mesmo até de pijama... A trabalheira que não dava ter de maquilhar, colocar um vestidinho assim pr'ó melhorzito, andar de saltos altos na cozinha... não devia ser nada fácil, não... 



quarta-feira, 6 de novembro de 2013

o silêncio



A vida muda na casa com a saída de um filho. Suponho que numa família pequena, com um ou dois filhos, essa mudança se sinta ainda mais. No nosso caso, o facto da filha mais velha ter ido estudar para fora veio trazer, por exemplo, uma grande inquietação na gestão das roupas, acessórios e afins. Numa altura em que mãe e filhas adolescentes partilham alguns haveres femininos, não há um dia em que não dê por falta de algo: aquele casaco das andorinhas, a echarpé esverdeada, o lápis azul dos olhos, enfim... coisas que agora ora estão cá, ora estão lá, algumas certamente nem nunca mais irão regressar. Mas é ao entrar em casa, no final do dia, que vem a maior estranheza...  O silêncio! Uma casa sem barulho, nem gritos, nem insultos entre irmãs. É este silêncio súbito que ainda me anda a desconcertar. 
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